O Violino Cigano e
outros contos de mulher sábias.
Recontado por Regina Machado
O Gênio do Poço (conto Árabe)
Como a história da bela Fahima, esse conto encontra-se
no livro de Idries Shah, “Buscador da Verdade”, citado anteriormente . É um
outro exemplo de “conto do demônio logrado”, segundo a classificação de Camâra
Cascuda. Só que aqui a figura do mal não é o diabo, mas um gênio, personagem
bastante comum na literatura oral da cultura Árabe. Os comentários a respeito
do conto “Carvões para a lareira do Diabo” também podem se utéis aqui . O humor
que anima o relato, a esperteza da mulher e a tontice do gênio são igredientes
que conferem um tom especialmente divertido a esta história .
Um homem e uma mulher estavam
casados havia muitos anos. Ninguém sabia coo isso era possivél. Eles brigavam
tanto, o tempo todo, que as pessoas não entendiam por que não se separavam. O
tempo passava e cada vez eles exageramvam mais, passando dos gritos para puxões
de cabelos, e muitos outros tipos de maus-tratos que é melhor não enumerar .
Pois um dia eles estavam tão exaltados que
saíram se engafinhando pela porta dos fundos e foram parar no quintal. O marido
destratou mulher que tal jeito que ela
perdeu a cabeça. Ela o empurrou com tanta força que ele caiu dentro do poço que
havia no quintal. O problema de fato não foi ele ter despencado nas pronfudezas
daquele poço. É que ele continuou gritando lá embaixo, ameaçando a mulher com
tamanho estardalhaço, que acabou acordando um gênio maligno que havia séculos que
dormia dentro do poço. Vendo que era impossivél permanecer ali junto com aquele
ser humano insuportavél, o gênio ficou furioso e foi obrigado a abandornar sua
morada. Quando saiu à luz do dia, encontrou a mulher sem saber o que fazer,
parada à beira do poço. O gênio dirigiu-se ela com palavras ainda mais
terrivéis do que ela estava acotumada a ouvir
do marido:
- Quem teve a ousadia de pertubar meu sono secular? Nunca em toda minha vida conheci uma pessoa tão intratável como esse homem, que horror! Quem foi o ser abjeto que jogou esse pesadelo em froma humana no meu poço?
- Fui eu – disse a mulher. – E muito me amira a sua reação. Eu aguento esse homem há mais de vinte anos e você, que é um gênio e tem poderes, não conseguiu conviver com ele nem por uns minutos?
O gênio, mesmo sendo maligno, ficou tão impressionado com a desgraça daquela mulher que teve pena del. Cm uma cara de quem a entendia muito bem, ele disse:
- Se é verdade o que está me falando, então você é uma verdadeira heroína. Olhando pra você eu não imaginaria que fosse tão forte assim .
- Bem – disse a mulher. – O que está feito, está feito. Eu tenho um sugestão: por mim, ele não sai mais do poço. E já que você não quer voltar para lá, que tal viajarmos untos até a cidade ? Eu vou porcurar alguma coisa para fazer, recomçar minha vida em outro lugar, bem longe daqui .
O gênio achou que era uma proposta razoavél e os dois se foram juntos pela estrada, parecendo até velhos conhecidos, pelo modo como conversavam.
- Quem teve a ousadia de pertubar meu sono secular? Nunca em toda minha vida conheci uma pessoa tão intratável como esse homem, que horror! Quem foi o ser abjeto que jogou esse pesadelo em froma humana no meu poço?
- Fui eu – disse a mulher. – E muito me amira a sua reação. Eu aguento esse homem há mais de vinte anos e você, que é um gênio e tem poderes, não conseguiu conviver com ele nem por uns minutos?
O gênio, mesmo sendo maligno, ficou tão impressionado com a desgraça daquela mulher que teve pena del. Cm uma cara de quem a entendia muito bem, ele disse:
- Se é verdade o que está me falando, então você é uma verdadeira heroína. Olhando pra você eu não imaginaria que fosse tão forte assim .
- Bem – disse a mulher. – O que está feito, está feito. Eu tenho um sugestão: por mim, ele não sai mais do poço. E já que você não quer voltar para lá, que tal viajarmos untos até a cidade ? Eu vou porcurar alguma coisa para fazer, recomçar minha vida em outro lugar, bem longe daqui .
O gênio achou que era uma proposta razoavél e os dois se foram juntos pela estrada, parecendo até velhos conhecidos, pelo modo como conversavam.
- Você tem alguma idéia do que vai fazer na
cidade? – Pergunta o gênio quando pararam para descansar embaixo de uma árvore
à beira do caminho.
- Nenhuma – repondeu a mulher. – Mas isso não é problema, qualqer sorrios misteriosos, típicos de todos os gênios conhecidos. – É infalivél. Trata-se do seguinte: o rei que vive nesta cidade para onde estamos indo tem uma filha que é a luz dos seus olhos. O rei vai ficar desesperado e dará enorme recompensa a quem curar a princesa. Eu vou ensinar para você umas palavras mágicas, que você deverá murmurar no ouvindo da princesa, e assim você ficará com o dinheiro da recompensa. Que tal ?
- Nenhuma – repondeu a mulher. – Mas isso não é problema, qualqer sorrios misteriosos, típicos de todos os gênios conhecidos. – É infalivél. Trata-se do seguinte: o rei que vive nesta cidade para onde estamos indo tem uma filha que é a luz dos seus olhos. O rei vai ficar desesperado e dará enorme recompensa a quem curar a princesa. Eu vou ensinar para você umas palavras mágicas, que você deverá murmurar no ouvindo da princesa, e assim você ficará com o dinheiro da recompensa. Que tal ?
- Melhor impossivél – disse a mulher. – So
mesmo um gênio para ter uma idéia tão fantástica.
- Mas eciste uma condição: essas palavras da
fórmula mágica eu você vai aprender só poderão ser usadas uma única vez. Se
você romper nosso trato, eu vou me apoderar do seu espírito e não deixarei em
paz.
- Pode contar comigo – prometeu a mulher. – Depois de salva a princesa eu vou esquecer as palavras mágicas, fique tranquilo .
Eles continuaram viajando até eu chegaram à capital do reino, e o gênio não perdeu tempo. Logo o palácio estava em grande agitação. Muitos serviçais saíram correndo pela cidade à porcura de médicos, curandeiros, adivinhos, qualquer um que pudesse socorrer a princesa. A pobre se debatia, gritava palavras sem nexo, se contorcia, fazia pena. Todo o povo do lugar cometava que aquilo não podia ser doença, muitos tinham certeza de que ela tinha sido possuída por um demônio.
- Pode contar comigo – prometeu a mulher. – Depois de salva a princesa eu vou esquecer as palavras mágicas, fique tranquilo .
Eles continuaram viajando até eu chegaram à capital do reino, e o gênio não perdeu tempo. Logo o palácio estava em grande agitação. Muitos serviçais saíram correndo pela cidade à porcura de médicos, curandeiros, adivinhos, qualquer um que pudesse socorrer a princesa. A pobre se debatia, gritava palavras sem nexo, se contorcia, fazia pena. Todo o povo do lugar cometava que aquilo não podia ser doença, muitos tinham certeza de que ela tinha sido possuída por um demônio.
A mulher se aproximou do palácio e
perguntou aos guardas o que estava acontecendo.
- Uma terrivél desgraça – eles responderam. – O rei está oferecendo um quantidade enorme de moedas de ouro à pessoa que conseguir expulsar o demônio que tomou conta da sua filha .
- Uma terrivél desgraça – eles responderam. – O rei está oferecendo um quantidade enorme de moedas de ouro à pessoa que conseguir expulsar o demônio que tomou conta da sua filha .
- É só isso? – ela disse. – Pois então o
problema acabou. Eu sou a maio exorcista deste mundo. Vocês tiveram muita sorte
que eu parasse justamente aqui no meio fechou os olhos e pediu que lhe
trouxessem a jovem princesa. Ela veio arrastada por dois guardas, tenho convulsões
horríves, vociferando sem parar. A mulher ficou um tempo imóvel, com as mãos
estendidas, depois abriu os olhos, chegou bem perto da princesa e falou umas
palavras baixinho, no seu ouvido. Como se fosse um milagre, a princesa se
acalmou. O gênio a havia abandonado.
O rei ficou muito agradecido e imediatamente cumpriu o que tinha prometid. A mulher saiu do palácio com dinheiro suficiente para viver bem o resto de sua vida.
O tempo passou, e um dia o gênio começou a pensar em fazer alguma maldadezinha para se distrair. Ele não podia voltar a durmir no poço, ficou meo sem er o que fazer e, antes que o tédio o invadisse, acabou o tanto por acaso se apoderando de um outro espírito, dessa vez o da rainha.
O rei já sabia o que fazer. Andou chamar a exorcista que tão bem tinha resolvido o caso da princesa, dizendo-lhe simplesmente que, se não curasse a rainha, ela morreria.
O rei ficou muito agradecido e imediatamente cumpriu o que tinha prometid. A mulher saiu do palácio com dinheiro suficiente para viver bem o resto de sua vida.
O tempo passou, e um dia o gênio começou a pensar em fazer alguma maldadezinha para se distrair. Ele não podia voltar a durmir no poço, ficou meo sem er o que fazer e, antes que o tédio o invadisse, acabou o tanto por acaso se apoderando de um outro espírito, dessa vez o da rainha.
O rei já sabia o que fazer. Andou chamar a exorcista que tão bem tinha resolvido o caso da princesa, dizendo-lhe simplesmente que, se não curasse a rainha, ela morreria.
Bem, como todo mundo pode ver, a mulher não
tinha saída. Disse a fórmula máica no ouvido da rainha e ela ficou boa.
Mas o gênio ficou péssimo. Apareceu diante
da mulher completamente transtornado, espumando de raiva, gritando palavras de
fogo:
- Você traiu nosso pacto e vai conhecer a
inimaginável consequência desse ato indigno. Você vai se arrepender do que fez
e será tarde demais, nada poderá serenar minha fúria. Vou me apoderar do seu
espírito, como prometi, e no estado em que você vai ficar, jamais se lembrará da
fórmula para me exorcizar.
- Pode ir chamando um jeito de se aclamar – respondeu a mulher se se alterar. – Sabe, eu estava aqui pensando: se você fizer mesmo isso, eu prometo que volto imediantamente para meu marido. Nesse caso eu vou ter que aturá-lo, mas você também vai ter que conviver com ele, enquanto estiver morando dentro de mim. Que tal?
- Pode ir chamando um jeito de se aclamar – respondeu a mulher se se alterar. – Sabe, eu estava aqui pensando: se você fizer mesmo isso, eu prometo que volto imediantamente para meu marido. Nesse caso eu vou ter que aturá-lo, mas você também vai ter que conviver com ele, enquanto estiver morando dentro de mim. Que tal?
Só de pensar nessa possibilidade, o gênio
sentiu um arrepio atravessando a espinha. “Tudo menos isso”, ele pensou. E se
pensou, mais rápido agiu. Sumiu numa cortina de fumaça e unca mais a mulher o
viu, nem ouviu falar de sua existência sobre a Terra.
A princesa que foi
educada como um homem (conto indiano)
Os contos tradicionais podem ser transmitidos por meios
às vezes misteriosos. O antigo mdo boca a boca, típico das culturas
tradicionais, sobrevive hoje em dia ao lado, por exemplo, do xerox e do e-mail.
Chitrangada me foi presenteada numa cópia xerografada, que encontrei por acaso
sobre a mesa do apartamento de um amigo em Madri. No alto da primeira página,
escrita em letra manuscrita, a referência apressada: Mahabarata. Então a única
coisa que sei sobre os livros sagrados indianos, o Mahabarata é o mais popular.
Na Índia de hoje existem histórias em quadrinhos, programas de rádio e
televisão que contam essa epopéia milenar. Seu tema principal é a disputa entre
duas famílias de primos, os Pandava e os Kaurava. Sobre o Mahabarata, o grande
filósofo indiano Ananda Coomaraswamy disse: “O fato mais importante a ser
notado sobre este épico é que, do começo ao fim, seu maior interesse está no
caráter humano. Nós somos testemunhas da lei segundo qual, do mesmo modo como a
ostra faz sua própria concha, assim a mente do ser humano cria e tem
necessidade de sua própria vida e de seu próprio destino. Toda a filosofia da
Índia está implícita neste romence, assim como está na vida comum de todo dia.
O Mahabarata contitui, e tem a intenção de contruir, um supremo apelo ao coração
e à consciência de cada geração. Muito mais do que uma tradição nacional,
corporificada uma tradição moral”.
Mas por se
tratar de obra muito extensa, até hoje não descobri de que parte dela o conto
da princesa Chitrangada foi retirado. Fico devendo essa informação, embora eu
duvide de que, diante dessa fantástica narrativa, esteja faltando qualquer
coisa para sua completa apreciação.
Em Manapur existiu uma vez um rei que não teve nenhum filho homem. Como
precisava de um herdeiro para o trono, resolveu educar sua única filha como se
fosse um menino. A princesa Chitrangada não era bonita, muito pelo contrário. E
como desde a mais tenra idade acostumou-se a manejar o arco e a flecha, a cavalgar
pelos bosques com roupas masculinas caçando junto com os homens seus modos,
costumes, gostos e sonhos nem de longe se assemelhavam ao que se esperaria de
uma princesa de sangue real.
Naquele
tempo, os Pandava tinham sido expulsos de seu reino pelos seus primos, os
Kaurava, que tomaram o lugar dos primos banidos e se proclamaram reis. O grande
guerreiro Arjuna era conhecido como o mais belo aventureiro dos Pandava, e seus
feitos heroicos eram cantados por toda a parte. Enquanto as jovens do palácio
de Chitrangada ficavam imaginando a beleza de Arjuna, a princesa só prestava
atenção aos relatos de sua bravura e encantava-se com sua habilidade de atirar
uma flecha com os olhos fechados e, ainda assim, acertar o alvo.
Mas, ao
mesmo tempo, coisas horríveis aconteceram durante o exílio dos Pandava na
floresta. Muitos bandidos se aproveitaram da briga entre os primos rivais e
começaram a invadir e saquear as aldeias nas redondezas espalhando o terror por
toda a parte. Para defender o reino de Manipur, Chitrangada montou seu cavalo e
passou a comandar o pequeno exército de seu pai. Logo ela foi aclamada por sua
coragem, por sua habilidade de guerreira, por sua perseverança. O povo a
adorava e confiava nela cegamente. Os inimigos a temiam. O tempo foi passando
e, enquanto as jovens do palácio realizavam suas festas de casamento, a
princesa Chitrangada tornava-se cada vez mais hábil na caça, na luta, nas
decisões no conselho de ministros e nos tribunais. Cada vez mais feia e
embrutecida, ela não se lembrava, e ninguém se lembrava também, de que havia
nascido mulher.
Um dia,
cavalgando por um bosque acompanhada de alguns guerreiros, ela viu um homem
dormindo à sombra de uma árvore, coberto dos pés à cabeça com seu manto. Sem
descer do cavalo, ela cutucou o pé do homem com sua lança. Em um único
movimento ele se levantou e armou sua flecha na direção de quem o havia
atacado. Encontrou o olhar zombeteiro de Chitrangada que o encarava com um riso
de deboche. Mas, em seguida, ele abaixou sua arma e disse simplesmente:
- Eu
jamais lutarei com uma mulher, por mais que ela se pareça com um homem.
Enfurecida,
ela retrucou:
- Com
certeza você não é do meu reino, senão saberia que sou capaz de lutar melhor
que um homem. Quem é você?
- Meu
nome é Arjuna - ele respondeu tranquilamente.
-
Arjuna, o Pandava, banido de seu reino? O grande herói de quem tenho ouvido as
aventuras mais inacreditáveis?
Chitrangada
quase perdeu a respiração diante daquele que admirava mais do que ninguém no
mundo.
- Eu mesmo - ele respondeu - E se você
pretendia lutar comigo, pode perder as esperanças. Decidi viver como um ermitão
durante um ano nesta floresta. Assim, nem com suas armas e muito menos com seus
dotes femininos você seria capaz de me vencer - ele disse com um sorriso
irônico, embrenhando-se pelo mato, desaparecendo rapidamente dentro da
floresta.
Naquele momento, a princesa Chitrangada
perdeu a noção do tempo e do espaço, da razão e do dever. Guiada pelo
redemoinho de fogo que se apoderou de seu coração, galopou feito louca na
direção do palácio, correu para seus aposentos e lá se trancou. Com gestos
febris, suas mãos agitadas foram arrancando uma por uma suas roupas de homem.
Ela procurou nos baús empoeirados as vestes e ornamentos que tinham sido de sua
mãe, e foi se cobrindo desajeitadamente com um sári dourado, colares, anéis,
pulseiras, enfeitou os cabelos e dirigiu-se para o espelho, cheia de ansiedade.
A imagem que ela viu a deixou horrorizada.
- Como posso agradá-lo com meus encantos de
mulher? Eu sou muito, muito feia - ela disse chorando, enquanto abraçava sua
ama, que sempre cuidara dela, desde menina.
- Mas princesa, o que foi que aconteceu? Eu
nunca a vi dessa maneira, tão desamparada. Você tem enfrentado os inimigos mais
ferozes, vencendo todos os desafios com a bravura de um homem.
- É justamente essa bravura que não me serve
de nada agora - disse a princesa soluçando - É o que menos vai me ajudar a
conquistar o homem que amo.
- Se entendi direito, acho que posso ajudá-la
- disse a ama docemente - Faça o que deve ser feito. Você precisa ir até o
templo do Amor na entrada da floresta, e diante do altar pedir à Deusa que a
torne bela, por um ano que seja.
A
princesa parou de chorar e, animada com aquelas palavras, saiu correndo para o
templo. Lá dentro não havia ninguém. Ela ajoelhou-se diante do altar e, com a
cabeça voltada para o chão, disse baixinho:
- Por um ano, por um ano apenas, eu quero ser
jovem e muito bonita.
Enquanto
repetia seu desejo, sem cessar, ela foi se deixando embalar pela cadência de
sua voz, pelo perfume das flores e do incenso espalhados pelo templo, e acabou
adormecendo.
Quando um raio de sol iluminou seu rosto na
manhã seguinte, ela abriu os olhos devagar e demorou um pouco para entender
onde estava. A primeira coisa que sentiu foi uma vaga alegria. Uma leveza
envolvia seu corpo e sua alma, sem que ela soubesse por quê. Ao apoiar a mão no
chão para levantar-se, que mão era aquela, pequena, delicada e branca como a de
uma donzela do palácio? Surpresa, ela caminhou até a fonte na entrada do
templo. Maravilhada, demorou para acostumar-se com a mulher que viu refletida
no espelho de águas límpidas. Aquela jovem vestida com o sári dourado e joias
que realçavam suas formas perfeitas, encantadora e suave como um botão de rosa
na primavera, era ela mesma?
A felicidade escapou de seu peito num canto
delicado de agradecimento à Deusa. E a voz da princesa que cantava nem de longe
lembrava o timbre áspero da guerreira Chitrangada.
A jovem foi se embrenhando para dentro da
floresta, com o coração cheio de esperança. Depois de um tempo ela encontrou
Arjuna, sentado numa clareira, de olhos fechados meditando. O som dos guizos
nos pés da jovem anunciaram sua presença, e Arjuna abriu os olhos. E o que
aconteceu naquele momento, nem mil palavras de um contador de histórias seriam
capazes de relatar direito. As juras de amor que Arjuna e a princesa
Chitrangada trocaram, extasiados um com o outro, ficaram gravadas para sempre
na terra daquele chão, no céu azul daquele lugar. Para sempre eles queriam
ficar juntos. E desejaram que o tempo parasse.
Mas o tempo não parou. A princesa disse a
Arjuna que se chamava Jaya. Com esse nome encantou-o como uma fada e amou-o
como uma mulher durante dias, semanas, meses. Ao mesmo tempo, enquanto vivia
cada minuto de felicidade junto daquele homem magnífico, a princesa não se
esquecia que o ano se escoava e que o dia de seu prazo final se aproximava cada
vez mais.
Até que esse dia chegou e, quando Arjuna
acordou, Jaya não estava ao seu lado. Lá fora ele ouviu vozes que se
aproximavam da clareira onde moravam. De repente, chegaram muitas pessoas a pé,
a cavalo, camponeses e soldados, procurando pela princesa Chitrangada. Eles
traziam um enorme cavalo negro, ricamente ajaezado, e sobre a sela do cavalo,
havia um arco, flechas e roupas de homem.
- O que vocês fazem aqui? - perguntou Arjuna.
- Depois que a nossa princesa desapareceu -
respondeu um homem - os bandidos têm incendiado nossos campos e nossas aldeias.
Nós precisamos encontrá-la, antes que eles cheguem à capital do reino. Só ela
poderá nos salvar como sempre fez antes de seu desaparecimento.
Ele não
conseguiu terminar de falar, pois um murmúrio exaltado tomou conta de todos.
Eles olharam na direção da gruta, levantaram os braços agitados e gritaram:
- Chitrangada, finalmente a encontramos!
Arjuna
virou-se e viu uma mulher horripilante, ossuda e desengonçada, vestida com um
sári dourado.
- Quem é você? - perguntou - Nessa gruta vivo
com Jaya, minha mulher. Onde ela está?
Com uma
voz grave e áspera, Chitrangada respondeu:
- Ela continua viva, no fundo do meu coração.
E sem
dizer mais nada, ela olhou Arjuna com os mesmos olhos negros e brilhantes que
iluminavam o rosto de Jaya, e correu para seu cavalo. Vestiu as roupas de homem
que a esperavam, saltando sobre a sela, Então Arjuna lembrou-se daquela mulher
guerreira que uma ano atrás o havia desafiado cutucando seu pé com a lança.
A princesa esporeou o cavalo e saiu em
disparada enquanto as pessoas a aclamavam. Arjuna montou em outro cavalo e a
seguiu. Juntos combateram com bravura e venceram os exércitos dos bandidos. Nas
aldeias, o povo festejou por dias seguidos, com danças e cantos. Enquanto
Arjuna e a princesa retornavam lado a lado pelo caminho, chegavam à beira da
floresta onde tinham vivido por um ano inteiro.
Arjuna
entendeu que continuava a amá-la, e estendeu a mão para que juntos entrassem na
floresta. A princesa Chitrangada sorriu, com os mesmos olhos negros e
brilhantes que Arjuna conhecera no rosto de Jaya e lhe disse:
- O que resta da bela mulher que viveu na
gruta dom você é o mais importante. Aquilo que está guardado dentro do nome
Jaya, que quer dizer "vitória".
Na verdade, ela já nem era mais tão feia
quanto antes.
A Bela Fahima. (Conto Árabe)
No final do livro Buscador da
Verdade [Seeker after Truth], onde li está história, Idries Shah apresenta dose
contos de ensinamento da escola de dessenvolvimento humano conhecida como
tradição sufi. Nessa escola o estudo de histórias é utilizado como uns dos
intrumentos de autoconhecimento, o que também é prática comum a outras
tradições, como a história hindu, taoísta, judaica, entre outras.
Aprendi com
Idries Shah que uma boa maneira de ler uma história como a de Fahima é evitar a
pergunta: “O que a história qer dizer?”. Em vez disso, talves fosse melhor
perguntar: “O que essa história diz para mim nesse momento partcular em que me
encontro com ela? O que ela me faz lembrar, sentir, descobrir, com relação à
minha vida agora? O que me chamou minha atenção, quais foram minhas primeiras
impressões?”.
Caminhando
pelas paisagens deste conto, uma pessoa pode passear pela sua paisagem interior
e contar para si mesma sua própria história, de um jeito diferente de como está
acostumada.
Há muito tempo viveu na cidade de Basra uma
jovem chamada Fahima. Ela pertencia a uma nobre e antiga família e desde pequena
impressionava a todos por sua beleza e principalmente por sua rara
inteligência. Seu nome queria dizer "aquela que compreende" e, de
fato, ela parecia ser capaz de prever acontecimentos e ler pensamentos
secretos. Herdeira de uma grande
fortuna, vivia assediada pelos mais diferentes tipos de pretendentes. Mas eles
não conseguiam dizer nada quando se apresentavam diante dela. Seu olhar
penetrante impedia que pronunciassem qualquer palavra. A confusão e a frieza
que ela percebia na alma dos homens a deixavam desolada, e então ela resolveu
se fechar no castelo dos seus antepassados, decidida a não ver nem falar mais
com nenhum homem.
Um dia ela estava no terraço contemplando
distraidamente a paisagem. Bem naquele momento o príncipe de Basra passava por
ali. Ele a viu e imediatamente apaixonou-se por ela. Essa visão o perseguiu o
resto do dia e, estando acostumado a tomar decisões rápidas e impetuosas, foi
procurá-la nessa mesma noite. Sem esperar que o anunciassem, forçou os portões
do castelo, atravessou o pátio e, assim que chegou diante de Fahima, no meio do
jardim, foi logo dizendo que ela deveria casar-se com ele.
Ela não respondeu, apenas ficou olhando para
ele de um jeito que deixaria qualquer homem com o sentimento de ser a pessoa
mais desprezível do mundo. Mas o príncipe enfrentou seu olhar e Fahima surpreendeu-se.
O que ela viu dentro dos olhos daquele homem a agradou muito. Mesmo assim ela
disse:
- Vá embora. Você não é digno do meu coração.
O príncipe ficou furioso. Nunca o haviam
tratado daquela maneira, nenhuma mulher havia recusado qualquer coisa que ele
tivesse desejado. Tropeçando em seus próprios passos, foi até a entrada do
castelo, onde seus guardas o esperavam. Aos gritos, ordenou-lhes que prendessem
a jovem e a levassem ao calabouço de seu palácio. E lá eles a deixaram, numa
cela subterrânea e escura.
Na manhã seguinte, o príncipe foi vê-la e a
encontrou imóvel, como se tivesse passado a noite inteira sentada, aguardando
sua chegada.
- Agora você já conhece meu poder — disse o
príncipe — e sabe do que sou capaz. Eu ainda quero casar-me com você, e basta
que você aceite para que deixe de ser minha prisioneira. Se concordar em ser minha mulher, vai
conhecer também a intensidade do meu amor, mas se não me quiser, saiba que não vai
sair desta cela nunca mais.
Fahima permaneceu
em silêncio, nem sequer olhou para ele.
O príncipe tentou convencê-la numa confusão
de palavras às vezes enraivecidas, às vezes cheias de paixão. Mas nada
adiantou.
O príncipe retirou-se completamente
inconformado. Não passou um dia sem que ele voltasse ao calabouço. Todas as
vezes ele falava de seu amor tumultuado, mas ela sempre permaneceu no mais
profundo silêncio.
Meses depois, Fahima escutou quando os
guardas comentavam que o príncipe estava de partida para Bagdá, onde deveria
ficar um longo tempo. Imediatamente percebeu que havia chegado a hora de deixar
aquele lugar. Ela podia fazê-lo, porque durante todo o tempo em que estivera
prisioneira, dia após dia, havia cavado a parede sem que ninguém visse, abrindo
assim um túnel que atravessava a espessa muralha. Sem dificuldade, atravessou-o
durante a noite e, quando alcançou a luz da lua, foi até seu castelo, onde se
preparou para viajar. Montada no melhor cavalo que possuía, Fahima dirigiu-se
para Bagdá.
Logo que chegou, procurou uma casa bem na
rua principal da cidade, que era passagem obrigatória para o palácio do califa.
Depois foi ao mercado e comprou loções, cremes e pós que a ajudaram a mudar de
aparência. Tingiu os cabelos com hena, penteou-os de um modo diferente, vestiu
novas roupas e em pouco tempo parecia uma outra mulher.
O príncipe chegou à cidade, depois de ter
parado várias vezes durante a viagem para encontrar-se com amigos que lhe
ofereciam banquetes e festas.
Quando cavalgava em direção ao palácio real,
viu uma mulher belíssima à janela de uma casa imponente. Puxou as rédeas do
cavalo parou para contemplá-la maravilhado. Nem de longe reconheceu Fahima sob
o disfarce daquela que lhe pareceu uma doce mulher. Assim que chegou ao
palácio, ordenou a um serviçal que fosse convidar a senhora daquela casa para
jantar com o príncipe de Basra.
Fahima aceitou o convite e nessa mesma noite
concordou em casar-se com o príncipe, como se fosse mesmo uma outra mulher. Os
dois viveram um ano de enorme felicidade, e um dia ela lhe disse que estava
esperando uma criança. O príncipe teve uma grande alegria, mas não pôde esperar
para ver se ia nascer um filho ou uma filha, pois foi chamado às pressas à
cidade de Trípoli, onde negócios urgentes o aguardavam. No mesmo dia de sua
partida, Fahima deu à luz uma menina
e pouco tempo depois entregou a filha a uma ama de absoluta confiança,
recomendando-lhe que cuidasse muito bem dela, até a sua volta. Em seguida selou
seu cavalo e foi também para a cidade de Trípoli. Lá ela alugou uma casa
suntuosa e novamente mudou a cor de seus cabelos, vestiu outro tipo de roupa e
esperou pelo príncipe completamente transformada.
Quando ele a viu sentiu o mesmo desejo de
casar-se com ela, pensando mais uma vez que se tratava de uma outra mulher.
Durante um ano eles viveram felizes, até que Fahima teve um filho. Ainda que
estivesse encantado com o menino, não demorou para que o príncipe partisse para
uma nova viagem, dessa vez na direção de Alexandria.
Deixando
o filho com uma serva em quem confiava inteiramente, Fahima foi também para
aquela cidade, e não é preciso dizer que tudo se passou como das outras vezes.
E mais uma criança nasceu.
Um dia Fahima percebeu que o príncipe andava
quieto, pensativo. Ela soube imediatamente que ele sentia saudades de sua
cidade natal, e dessa vez ela partiu antes dele, tendo como sempre confiado seu
filho a uma serva fiel. Voltou rapidamente para o calabouço onde ficara longo
tempo e esperou a chegada do príncipe. Um dia ela adivinhou que ele descia as
escadas que levavam à sua cela, pela cadência tão conhecida de seus passos,
pela luz do archote que se adiantava à sua presença. Mas a pessoa que surgiu
diante dela atrás das grades era um homem muito diferente. O rosto barbudo, o
olhar angustiado, a voz cansada. Cheio de remorsos, sentia-se infeliz como
nunca.
- Fahima — ele disse — eu vim aqui para dizer
que você está livre.
- O que aconteceu durante sua ausência? — ela
perguntou. Conte-me tudo, confie em mim.
- Não importa — respondeu o príncipe. — Só
posso lhe dizer que agora entendo que você é a única mulher que eu sempre amei
e por isso mesmo quero deixá-la livre.
- Diga-me toda a verdade — insistiu Fahima. —
E saiba que sou a única pessoa que pode ajudá-lo.
-Posso lhe contar tudo, mas isso não vai mudar
nada — respondeu o príncipe com voz desolada. — Eu permiti que você ficasse
presa tanto tempo e enquanto isso fiz coisas que não devia ter feito, não sou
mais o mesmo homem. Não sou digno de você, nem do seu amor.
E o príncipe foi falando de suas viagens e
contou sobre as mulheres e filhos que havia deixado para trás.
Quando terminou
seu triste relato, Fahima lhe disse:
-Vá até a sala do trono e espere até que
anunciem a chegada de uma pessoa, que você deverá receber imediatamente.
- Não entendo o que você diz — falou o
príncipe. — A porta da cela está aberta. Quero que me perdoe e que possa ser
feliz longe daqui.
Sem mais nenhuma palavra o príncipe subiu as
escadas e foi até a sala do trono. Lá deixou-se ficar em silêncio, com a cabeça
entre as mãos, indiferente ao movimento dos cortesãos à sua volta. Quando anunciaram
que uma nobre dama com três crianças queria vê-lo, ordenou que os guardas a
deixassem entrar. Logo as portas se abriram, e uma mulher ricamente vestida com
roupas da mais fina seda e jóias magníficas, acompanhada de três adoráveis
crianças, entrou lentamente na sala do trono. A princípio não reconheceu
Fahima, mas à medida que ela se aproximava, um claro desenho formou-se de
repente no seu espírito. Foi só então que ele percebeu que as suas quatro
mulheres eram na verdade uma só, que lhe havia dado três filhos. A mesma mulher
que, no mais completo silêncio e com profunda paciência, havia permitido que
ele aprendesse sozinho tudo o que precisava saber sobre sua própria pessoa.
Aquela foi uma família feliz.
A guardiã (conto caucasiano)
Eu li a história no livro A árvore de tesouros [L’arbre à
trésors], de Henri Gogaud, e sua origem é a região do Cáucaso, mas não há
referência do país de onde ela provém.
Henri Gongaud (1936-) é um ecrito francês e um admirável
contador de histórias , conhecido tabém por suas apresentações no rádio e no
teatro. Além de romances de sua autoria publicou coletâneas de relatos de tradição
oral do mundo inteiro, q reescreveu co maestria. Segundo Gougaud, seu trabalho
foi de revive, reanimar e restaurar
contos q recolheu ‘’como outros restauram velhos castelos’’. Ainda nas suas
palavras: ‘’Eu ignoro quem foram seus primeiros autores. Mas que importância
isso tem ? Eles estão no mundo porque são necessários, como o ar, como a luz do
dia , como as árvores’’.
Este conto, de rara dramaticidade, revela como certas
narrativas tradicionais conseguem movimentar a escuta ou a leitura da história em
direções constantemente oposta: luz e escuridão, amor e egoísmo, ação e espera,
morte e renascimento, dedicação e ingratidão, desesperança e salvação. É uma
história tão bela quanto cruel, em pesonagem que agem de forma coratante, sem
rodeios. Não há meio-termo não ahá concessões de espécie alguma. A arte de
narrar tem ás vezesuma incrivel capacidade de nos fazer mergulhar de uma vez só
na escuridão e na clareza da condição humana.
No alto de uma colina, á beira de um rio cauldaso, muito largo e profundo,
havia um castelo fortificado.
Nesse castelo vivia um guerreio que não tinha medo de nada.
Sua mulher, bela como uma árvore florida, possuia um dom muio especial. Por
causa dela, o marido sempre retornava vitorioso de suas expedições pelas
redondezas e lugares muito distantes.
Acontecia sempre da mesma maneira. O guerreiro selava seu
cavalo e partia antes do amanhacer, quando a neblina e a escuridão ainda
tomavam conta do lugar. Assi que ele desaparecia pelos portões da fortaleza a
mulher subia à torre do castelo e abria a janela de onde avistava toda região.
Ela estendia as maõs delicadas pra fora da janela, na direção do caminho por
onde o marido cavalgava. No mesmo instante, poderosos rais de luz brotavam de
seus dedos finos clareando a estrada para que o marido pudesse viajar com
segurança.
Durante todo o dia ele percorria diversas aldeias, lutando e
roubando os bens de todos os que derrotava nas suas andanças. Depois ele
voltava pra casa em disparadae já fazia a noite escura qunado ele surgialá
embaixo ao pé da colina, quase sempre perseguido por valentes inimigos. No
entanto eles nunca o alcançavam, pois a mulher já o aguardava sentada á mesma
janela da torre altíssima. Assim que o via no caminho, ela enviava, através de
suas mãos, uma pote de luz sobre o rio, iluminando-o fortemente para que o
marido passasse. Assim que ele atingia a outra margem, ela retirava as mãos
rapidamente. A mais negra escuridão apoderava-se daquele lugar que tal modo os
inimigos do maio ficavam completamente desorientados e acabavam desistindo da
perseguição.
Assim protegido e guiado, o guerreiro do castelo alto da
colina havia sofrido nenhuma derrota. O tempo foi passando, e ele, cada vez
mais, sentia-se como homem mais poderoso daquelas terras. Orgulhava-se de seus
feitos e dizia que era invencivel. Um dia ele havia convidado várias pessoas
para um grande banquete e, enquanto festejavam, começou a vangloriar-se:
- Eu sempre atravesso o rio trazendo comigo muitos animais, e
meus perseguidores não consegue alcançar-me. Ainda não nasce o homem que poderá
me vencer.
A mulher o escutou por um tempo, contrariada, depois disse
baixinh:
- Mas você não acredita que faz tudo sem ajuda de ninguém.
O marido olhou-a indignado, reprovando aquela inervenção:
- Que eu saiba, quando ou caçar, não levo ninguém comigo.
Enquanto você passa o dia em segurança dento do castelo sou eu que me arrisco,
que enfrento emboscadas que preciso lutar com quem aparece no caminho, seja
homem ou animal. Acho melhor voce pensar mais no que diz antes de abrir a boca,
para não se arrepnder depois.
A mulher permaneceu em silênciopor algum tempo, depois
levantou-se, e antes de retirar-se do grande salão, disse com tristeza:
-Você está totalmente dominado pelo orgulho e pela vaidade.
Sinto muita vergoha ao ver você nesse estado.
O marido ficou furioso. Respondeu-lhe que não precisava dela pra nada e que iria
provar o que estava dizendo. Assim que os convidados se foram, ele montou no
cavalo e deixou o castelo sem se despedir da mulher.
Pela primeira vez, a janela da torre naão se abriu enquanto
ele percorria planíces brumosas. E pela primeira vez sua expedição encontrou
obstáculos maiores do que seu pode de vencê-los.
Depois de vários dias infrutíferos, vagando pelas aldeias,
tendo pilhado uma carga insignificante, o guerreiro achou melhor voltar pra
casa. Ainda tentou roubar alguma coisa no caminho, mas ele se sentia tão
desafortunado, tão confuso pelas sucessivas derrotas, que não lutou com a
costumeira audácia e acabou tendo que fugir com as mãos vazias e vários
inimigos em seu encalço.
Enquanto isso, sua mulher ficou sentada diante a janela
fechada no alto da torre, no escuro, atenta. Ela só se levantava pra comer
alguma coisa leve uma ve por dia, ou então para cochilar um pouco quando o sono
tomava conta dela.
Numa noite tenebrosa, no silêncio do aposento ela escutou ao
longe a voz do marido chamando por ela. A aflição que ela sentia estava grudada
nas pontas de seus dedos unidos, imóveis sobre seus joelho. Ela sabia que não
deveria atender o pedido de socorro, mesmo que seu coração aos pulos, dentro do
peito, lhe pedisse o contrário. Afinal ele havia dito que demonstraria ser um
guerreiro notável, e por isso era necessário que ele fizesse tudo sozinho.
Angustiada, ela esperou até não mais ouvir a voz do marido.
Além do rumos constante das águas do rio, nada se escutava. Ela continuou
esperando, tentando distinguir cascos de cavalo ressoando no pátio do castelo,
o som duro das botas do marido subindo a escadaria. Em vão ela ficou
espreitando quase a noite inteira, até quando não pôde mais se contere abriu a
janela. Estendendo as mãos ela varreu toda a região embaixo do castelo com os
fachos de luz, poderosos como sempre, mesmo que dessa vez brotassem de seus
dedos trêmulos. Vasculho a planície, as margens o ro, a encosta da colia as
muralhas do castelo. Não encontrou nenhum vestígio do guerreiro.
Recomeçou outra vez com movimentos mais lentos e precisos,
até que o foco luminoso deteve-se sobre um vulto caído em um rochedo a beira do
rio. Pouco depois, quando ela chegou esbaforida àquele lugar, com os dedos
desalinhados e a respiração entrecortada de tanto correr feito louca entre as
pedras, reconheceu a capa preta do marido. Rasgada e molhada, ela cobria o
corpo do guerreiro inerte sobre a pedar. Ali a mulher ficou imóvel com as mãos
sobre a cabeça do homem morto, embalada pelo doce murmúrio do rio,
estranhamente calmo ao nascer do sol.
Depois, ela enterrou o marido naquele mesmo lugar e chorou
muito tempo sobre o túmulo, completamente entregue à sua dor. Uma semana
inteira durou sua virgília solitária. Até que ela viu ao longe um cavaleiro que
se aproximava. O jovem sorridente que desceu do cavalo e acercou-se dela era
belo e forte.
-O que faz uma mulher tão desolada sozinha nesse lugar
deserto ? – ele perguntou
A muler das mãos de luz respondeu-lhe que ninguém poderia
fazer nada por ela e que ele deveria ir embora.
O homem montou outra vez no seu cavalo e lhe disse que
voltaria em breve. E que durante o tempo que estaria ausente, ela podia pensar
melor, quem sabe poderia confiar nele e contar por que estava tão triste.
Enquanto ele cavalgava rio adentro, na direção da outra
margem, a mulher se assustou e pensou que, comcerteza, ele iria afogar-se. Mas
logo, conduzindo o cavalo com grande habilidade por dentro das águas
turbulentas, ele chegou a salvo do outro lado do rio.
‘’Esse homem de fato é audacioso, eu preciso pôr à prova seu
valor’’, pensou a mulher à beira do túmulo do marido.
Pela primeira vez, depois de tanto sofrimento, ela se
reanimou e invocou os poderes de Senhora das Águas. Levantando-se, com as mãos
espalmadas na direção do céu, ela disse:
-Eu lhe peço, rainha poderosa, que esconda o sol atrás das
nuvens e que uma grande tormenta torne o rio furioso, que suas águas invadam a
terra em ondas gigantescas, que raios e trovões sacudam as árvores, que o dia
se torne noite tenebrosa com se fosse assim o fim do mundo.
Seu pedido foi atendido. Talvez a temível deus dos mares e
dos rios compreendido e concordado com as razões da mulher que chamava por ela,
do fundo do coração. Deitada na relva, sacudida pela tempestada avassaladora, a
mulher das mãos de luz percebeu que um cavalo galopava na sua direção. Quando
se levantou, pôde ver o cavaleiro que tinha acabado de conhecer.
-Como você pôde voltar e arriscar-se a ser tragado pelas
águas revoltadas do rio? – ela perguntou muito assustada.
-É poque eu não poderia deixá-la sozinha nesta tempestade
desvairada –ele respondeu.
Ela não soube o que dizer e finalmente sorriu, com uma
satisfação que apenas brotava timidamente no seu peito machucado. O cavaleiro
agasalhou-a com seu manto e, no instante em que os dois se sentaram juntos e
aconchegados sobre uma pedra lisa, os poderes da Senhora das Águas fizeram-se
presentes outra vez, serenando o tempo mais rapidamentedo que as palavras
seriam capazes de relatar. A tempestade cessou, o rio seguiu su rumo
mansamente, as águas brilhando a lúz do sol que surgiu de repente no alto do
céu azul. A terra verde respirava úmida, exalando um delicioso aroma da vida.
- O home que está enterrado neste túmulo era meu marido –
disse a mulher. –E nós nos amávamos.
- Você se engana – retrucou o jovem cavaleiro. – Ele não a
amava, ele amava apenas a si mesmo. Toda a terra ´nossa volta estaa verde e
coberta de flores, só este túmulo permanece seco, com terra dura de inerte, sem
florescer. Que este túmulo permaneça assim, estéril, para que as pessoas que só
amam a si mesmas, ao passarem por aqui sintam-se envergonhadas.
A mulher de mãos luminosas olhos para o céu e agradeceu á
deusa em silêncio.o jovem cavaleiro a olhou com ternura e agradeceu e
estendeu-lhe a mão. Ao segurá-la, a mulher sorriu e levantou-se. Ela teve a
resposta que buscava quando sua mão deixou-se envolver pelo calor daquela mão
valorosa, que num gesto firme devolveu-lhe, num único instante, o sentido de
continuar viva.
Flor no cabelo (conto tibetano)
Desde a primeira vez em que li este conto fiquei encantada
com a riqueza de detalhes e com a inventividade desta contrução narrativa.
Sempre considerei os contos tradicionais como obras de arte de tempos
imemoriais, e esta história é um excelente exemplo do poder criador humano e
autoria desconhecida. Encontrei-a uma coleção originalmente produzida na antiga
Tchecoslováquia e depois traduzida e editada na França. São inúmeros livros grandes,
de capa dura, cada um deles ilustrado por um artista diferente. Os títulos
reúnem histórias por culturas ou por outros temas (como, por exemplo, ‘’lendas
do Sol, da Lua e das estrelas’’). Foi num desse livros, chamados Contos do
Tibet [Contes du Tibet], que encontrei esta história. Ela chegou as minhas mãos
por meio da tradução francesa dessa edição, num longíquo dia de maio de 1986.
Losang era um jovem que vivia com seu pai perto de um grande
rio chamado Tzangpo. Com o pai caçador havia aprendido desde menino a manejar o
arco e flecha com agilidade impressionante. Ele era forte, não tinha medo de
nada e, como se não bastasse, era tão belo que não havia uma jovem no povoado
que não desejasse ser sua mulher. Ele não ligava pra nenhuma delas. Até que um
dia aconteceu uma coisa surpreendente: losang tinha voltado de uma caçada e
deitou-se à beira do rio, como sempre fazia. Seus pensamentos corriam para
longe, embalados pelo murmúrio incessante das águas; era como se ele mesmo
fosse parte do rio.era um jovem que vinha caminhando com passos leves ,
carregandoum balde de madeira. Nos cabelos negros e compridos trazia uma flor
de laranjeira, luminosamente branca. À beira do rio, ela se inclinou para
encher o balde de água, depois rio para Losang e sem mais sem menos começou a
falar:
- Nossa que rapaz mais preguiçoso! Fica aí deitado, com a
cabeça nas nuvens, sem desconfiar que a felicidade o espera, longe daqui.
Na outra margem Losang escutou aquelas palavras. Armou o arco
e atirou a flecha que atingiu o balde bem no mei. A águacomeçou a escorrer pelo
buraco e a jovem gritou pra ele muito brava:
- Mais isso é coisa que se faça? No seu lugar eu não me
orgulharia nem um pouco de ter acertado no balde. Existem coisas muito mais
dificeis de fazer. Por exemplo: montar o cavalo de sete esporas do seu pai. Se
conseguisse domar esse cavalo, ai sim poderia se vangoriar.
Em seguida ela se virou e foi embora pelo caminho. Assim que
ela desapareceu entre montanhas altas, Losang voltou para casa e foi prourar
seu pai e foi prguntar sobre o tal cavalo, do qual ele nunca tinha ouvido
falar. O pai a princípio não queria repsonder, mais depois disse mtu
perocupado:
- Esse cavalo é perigoso demais, seria arriscado aproximar-se
dele. Eu mesmo nunca consegui montá-lo, por isso achei melhor que você não soubesse de sua existência. Mas
talvez seja a hora de você passar por essa prova. Se tiver certeza de que é
isso mesmo que quer, então vá até as montanhas cinzentas e atravesse três picos
e três vales.
Quando chegar a um monte cheio de pedras amarelas, procure
uma bacia de água. Se ela estiver vazia, desça até o vale e lá encontrará o
cavalo. Boa sorte, eu estarei aqui esperando por você meu filho. Losang fez
como o pai havia indicado e finalmente encontrou o lugar onde havia a bacia sem
água. Desceu o monte e viu um enorme cavalo, com a crina até o chão, parado
perto do lago. Ele não teve tempo de pensar ne fazer nada, pois o cavalo já
vinha em disparada na sua direção. Ele
se encostou no rochedo e o cavalo passou como um raio, deixando um rastro de
poeira seca. Losang sabia que seria impossível montá-lo do modo como sempre
fazia, então teve uma idéia: subiu num pinheiro e esperou o cavalo passar
embaixo. No exato instante em que o animal se aproximou do galho em que ele
estava, Losang pulou sobre ele agarrou-se com todas as suas forças a crina do
animal. Por mais que o cavalo pulasse e sacudisse a crina violentamente, Losang
não desgrudouas mãos. Um dia inteiro galoparam como loucos, numa luta sem
trégua. Quando o sol se pôs no horizonte o cavalo cedeu, acalmou-se como por
encanto e passou a obedecer ao cavaleiroque o havia conquistado. Losang voltou
pra casa montado no seu cavalo, e quando passava pela margem do rio Tzangpo ele
viu outra vez a jovem com a flor de laranjeira nos cabelos, mergulhando o balde
na água. Novamente ele atirou sua flecha certeira, furando o balde, e a água
escapou toda. Furiosa a jovem disse:
- Não acho grande coisa conseguir montar esse cavalo. Muito
mais difícil é alcançar um outro rio que fica a duas milhas daqui. Lá mora a
bela Boumo, que até hoje nenhum homem foi capaz de conquistar. Mas vcê nunca
vai conseguir chegar lá, porque fica perdendo seu tempo demonstrando
habilidades inúteis, atirando flechas em baldes...
Logo ela já havia sumido entre as montanhas altas, enquanto
Losang se sentia completamente desajeitado em cima do seu enorme cavalo.
Por mais que seu pai o tivesse recebido com a maior alegria e
o elogiasse pela sua bravura, Losang nãon conseguia parar de pensar na bela
Boumo. Por mais que parecesse absurdo, ele tinha certeza de que precisava
partir e ir ao seu encontro., ainda que nada soubesse dela. O pai tentou
desencorajá-lo, o caminho era cheio de perigos e ameaças, no povoado havia
muitas jovens bonitas que poderiam fazê-lo muito feliz, ele dizia. Mas não
adiantou. Losang se foi no dia seguinte, montado no seu cavalo gigantesco.
Atravessou o rio e seguiu pelo caminhona direção das montanhas altas, mas
quando ele chegou lá o chão parecia se mover sob as patas do cavalo. E logo ele
percebeu que aquilo não era chão coisa nenhuma: ele estava na verdade
cavalgando sobre as costas de um enorme dragão de argila. Mas adiante estavam
38 jovens de mãos dadas, gritando por socorro. Losang atirou uma fleha na
cabeça do dragão, e o sangue nego que esguichou da ferida atingiu seu peito com
tanta força q o derrubou. Losang desmaiou e as jovens o cercaram. A mais jovem
delas foi até a cabeça do dragão morto e arrancou da sua testa uma pérola
luminosa. Com todo cuidado, ajoelhou-se diante de Losang e colocou pérola sobre seu peito, pressionando-a
levemente. Losang acordou e viu todos aqueles lindos rostos sorridentes
debruçados sobre ele.
- Muito bem – disse uma das jovens -, estamos muito
agradecidas por ter-nos salvo do dragão. Queremos que voê escolha uma de nós
para ser sua mulher.
- Isso não é possível – respondeu Losang. – Estou viajando
para encontrar a bela Buomo e é com ela que vou me casar.
Mas elas tanto insistiram que ele resolveu escolher a mais
jovem delas para acompanhá-lo. Ele tinha a impressão de que a conhecia de algum
lugar.
Antes de partirem receberam um presente para a viagem. As
jovens moldaram com a argila do chão um cavalo perfeito envolvend a pérola
luminosa. E quando ele fiou pronto, om o sopro de vento transormou-se num
cavalo de verdade, impotente, mágico. A jovem escolhida o montou e despediu-se
das companheiras.
No caminho Losang lhe disse:
- Quando chegarmos ao meu destinho, tenho certeza de que você
vai encontrar um moço para se casar. Quanto a mim, não penso em ninguém mais a
não ser em Boumo.
Depois de um bom tempo de viagem, os dois chegaram à beira de
um rio impetuoso. Passando sobre um tronco de árvore estendido acimado rioele
puderam alcançar a outra margem, onde havia uma gruta escura. Na entrada da
gruta stava uma menina amarrada a uma pedra pelos pulsos e pelo pescoço. Ela
contou que la dentro da gruta moravam oito monstros terríveis e que ela era sua
prisioneira. Quando dormiam, eles a amarravam para que ela não fugisse. Depois
ela revelou a Losang que atrás da gruta estava enterrado um machado, o único
instrumento que poderia matar os monstros. Losang foi buscá-lo. Entrou na gruta
e matou sete monstros cortando a cabeça dele, um por um. Mas o oitavo surgiu de
repente na escuridão da gruta e agarrou Losang por trás, imobilizand-o. Quando
o monstro estava prestes a matar o rapaz, a jovem que tinha ficado lá fora
soltando as amarras da menina entrou na gruta comuma barra de ferro na mão e
bateu na cabeça do monstro derrubando-o. Losang pegou o machado e o matou. E lá
estavam os três, Losang e as duas companheiras, com pressa de deixar aquele
lugar horroroso. A menina, muito agradecida, deu de presente a Losang uma
bolsinha cheia de ervas. Ficou combinado que a jovem acompanharia a menina até
sua aldeia e elas iriam montadas no cavalo de Losang, que era suficientemente
grande para levar as duas. Enquanto isso Losang seguiria no cavalo mágico e
esperaria pela jovem no alto da colina. E assim ele fez, porém a jovem não
chegava nunca, o tempo fio passando e começou a chover. O cavalo mágico foi se
desmanchando na chuva, foi diminuindo até que sumiu de vez, ficando em seu
lugar só a pérola luminosa q estava dentro dele. Depois de esperar muito,
Losang guardou a pérola no bolso e continuou a pé pelo caminho com o machado
preso à cintura. Uma nuvem de insetos ferozes surgiu de repente sobre ele.
Losang se lembrou da bolsa de ervas que tinha dependurada no pescoço, e foi o
que o salvou. Esfregando as ervas pelo
corpo espantou os insetos, que desapareceram num instante. Logo depois a jovem
companheira da viagem apareceu montada no cavalo de Losang.
- Ainda está em tempo – ela disse. – Você nem sabe como é
essa tal de Buomo, por que não desiste dela e se casa comigo ?
Losang sorriu e não disse nada. Pela cara dele não aditanva
insistir. Continuaram em silêncio pela estrada tortuosa ladeada de árvores
floridas até que entraram em um vale muito verde,de onde se avistava uma aldeia
ao pé de uma impotente montanha. Era a aldeia de bela Buomo. Para se chegar lá
era presciso atravessar o último rio da viagem, um rio largo e misterioso.
- Chegamos – disse a jovem. – Daqui para frente você segue
sozinho. Está vendo essas casinhas do lado de cá do rio ? ali moram umas
pessoas que conheço, vou focar com elas enquanto você encontra a bela Buomo. Pode
me esperar, vejo você no seu casamento.
Ela saltou do cavalo e despediu-se de Losang.
Algum tempo depois ele chegoua aldeia e, depois de perguntar
por Buomo, foi conduzido à casa de seu pai, que se chamava Norbu. Não era um
homem amável e amistoso. Com poucas e ríspidas palavras, disse que Losang
precisava provar que valia alguma coisa antes de ter permissão para casar com
sua filha.
- Estou disposto a qualquer coisa- disse Losang. – Não foi
fácil chegar até aqui e saiba que não vou desistir da bela Buomo por nada neste
mundo.
- Muito bem, então podemos começar agora mesmo – retrucou
Norbu. – Venha comigo.
No pátio da casa estava um cavalo castanho. Na sua sela Norbu
prendeu uma moedinha de cobre que tinha um furo no meio. Depois ele deu um tapa
no lombo do animal, que saiu a galope.
- Agora você tem que atirar uma flecha e acertar bem no
buracoda moeda- ele disse em tom desafiador.
Losang pulou no seu cavalo e armou o arco num segundo. A
flecha foi zunindo, mais rápida que o vento. Quando o cavalo de Norbu voltou
para o pátio a flecha de Losang, fincada exatamente no buraco da moeda.
- Razoável- disse Norbu. – Você tve sorte dessa vez, não sei
se continuará tendo. Mas é melhor continuarmos amanhã, já é quase noite.
Eles voltaram para a casa de Norbu, que mostrou a Losang o
quarto em que ele iria dormir. Abriu a porta e, quando Losang entrou, fechou-a
rapidamente de trancou o jovem lá dentro. Estava uma escuridão total, e Losang
lembrou-se da pérola luminosa que trazi no bolso. Assim que a colocou na palma
da mão o quarto se iluminou. E ele viu que estava rodeado de mosquito e outros
insetos, no chão, no teto, nas paredes. Dessa vez ele não teve o minimo de
sobressalto, afinal era um problema eu ele sabia muito bem como resolver. Com
muita calma pegou as ervas dentro da bolsa q havia ganho da menina da gruta e
esfregou-as no corpo. Na manhã seguinte, quando Norbu veio abrir a porta, ficou
muito surpreso. Na cama, Losang dormia tranquilamente e pelo chão havia
milhares de insetos mortos.
Norbu não conseguiu dizer nenhum palavra sobre o que havia
acontecido. Disse apenas, secamente, que faltava uma última prova.]
Ele saíram da casa e foram até um lugar onde uma pequena
multidão estava reunida. Losang passou entre as pessoas, até que viu no meio
delas um círculo de fogo. E nesse instante ele se sentiu paralisado ao perceber
que, num estrado de madeira colocado bem no alto da fogueira que queimava no
meio do círculo, estava uma jovem, com uma flo de laranjeira nos longos cabelos
negros.
As pessoas gritavam:
- Grande herói, atravesse o fogo e salve Boumo.
Era um segundo ele se deu conta de que Boumo era a jovem que
ele tinha visto carregando o balde, e era também aquela que tinha pressionado a
pérola sobre seu peito e o havia acompanhado na viagem . Em menos tempo do que
seria possivel contar, ele pegou o machado mágico que trazia preso à cintura e
foi cortando os troncos de madeira, abrindo caminho no meio do gofo até chegar
aonde estava a jovem e conseguir trazê-la nos braços para fora do anel de
chamas.
Não teve jeito. Norbu foi obrigado a reconhecer que Losang
era mais do que digno de casar com sua filha e não havia nada que ele pudesse
fazer para impedi-lo.
Assim que pôde ficar sozinho com a bela Boumo, Losang
perguntou-lhe:
- Por que você não me disse logo quem era, quando me viu
perto do rio e depois quando a salvei do dragão?
- Bem, é que eu já tinha ouvido falar de você e quis
conhecê-lo melhor – ela respondeu com uma voz muito doce. – E depois, eu não
acharia a menor graça em casar com um homem que pensasse que a maior proeza
para conquistar uma jovem fosse furar um balde com uma flecha.
Quando Losang voltou para casa com Boumo, montando no seu
cavalo gigantesco, um sol magnífico iluminava o caminho durante o dia.
À noite, era uma estrela brilhante que os guiava na direção da mais completa felicidade .
À noite, era uma estrela brilhante que os guiava na direção da mais completa felicidade .